Diálogos - Resquícios de Felicidade


 Escrito e ilustrado por Renan Morgado            
Na calma rotina daquela patrulha. Uma dupla de voluntários da Proteção do Paraíso realizavam a sua tarefa, entre as zilhões de patrulhas para assegurar a segurança somente daquele local. Suas montarias, um lagarto enorme para o voluntário de cabelos compridos e um bisão para o voluntário de bigode comprido, andavam devagar.

A imensidão da planície áspera de estepe verde. Patrulha sobre a estrada isolada cortando a vastidão insana da planície infinita do pós-vida. A forma plana daquela dimensão provocava a linha de horizonte visível ser muito mais distante do que eles se lembravam de seus mundos esféricos em vida. No horizonte remoto, o veículo do tamanho de um planeta apagado pela distância, parecia parte de uma cordilheira em movimento. Entre as nuvens de fumaça dos seus gigantescos canhões enquanto se alinhavam e se preparavam antes de disparar, os ecos ecoando para sempre a cada disparos. O Gigante de Metal se movia relativamente ligeiro sobre as esteiras de tamanho colossal.

A frente da dupla na patrulha, uma infância se manifestava sobre as marcas da guerra. Um tanque dos inimigos falecido há muito tempo com as queimaduras da explosão que o abriu. A ferrugem do tempo. O canhão levantado, perfeito para o pneu pendurado. Uma criança balançava sem preocupação, sob a supervisão de uns adultos, talvez pais. Impossível ou guardiões. A dupla cumprimentou os civis ao passarem próximos.

O voluntário de bigode da dupla chegou a olhar para trás, nostalgia melancólica. Seu camarada de cabelo comprido notou a tristeza e comentou:

- Também penso como as crianças vivem. Não parece justo.

- Tinha tudo pela frente, mas…Poderia ter a felicidade eterna... Agora só tem guerra… - O voluntário de bigode parou de olhar e focou a frente.

Andaram mais. O voluntário de bigode desabafou:

- Me lembro dos muitos bebês que eu vi aqui, no Paraíso. Quietos e calmos. Como os guardiões da minha religião quando vivo. Precisando de atenção e carinho. Tão frágeis…

Mais ecos dos últimos disparos do Gigante de Metal finalmente chegaram a eles. As enormes nuvens de fumaça cinza já se esbranquiçavam e se dissipavam.

- Como nós somos muito frágeis. - O voluntário de cabelo comprido disse e apontou para o Gigante de Metal. - Uma bomba vindo daquilo e sumiriamos para sempre.

- Acha que uma bomba cairia justo aqui do nada?

- Um erro de cálculo. Um vento mais forte, E a bomba não alcança o Gigante.

O Gigante de Metal disparou mais. Eles acompanharam os projéteis sobrevoar sobre eles enquanto desapareciam no azul do céu. O voluntário de bigode comentou:

- Será que eles lá no Gigante acertaram nos cálculos e não vão acertar nas nossas tropas?

- Talvez há um inimigo escondido ao redor por aqui. - O voluntário de cabelo comprido apontou ao redor. - Somente nós dois, só dois tiros sortudos.

- Nem mesmo no Gigante estaríamos seguros. Este está bem calmo. Devia ter mais bombas tentando atingir ele.

- Uma bomba certeira e nós dois e mais outras zilhões de almas e desapareceremos para sempre.

Os dois pararam de andar e olharam para o Gigante de Metal. Mais disparos avistados e os ecos demorariam a chegar. Eles avistaram a criança ainda brincando no balanço improvisado. O voluntário de bigode suspirou e concluiu:

- Estamos muitos entediados. Demais.

- Culpa daquele pessoal que nos distraiu da nossa patrulha.

- Vamos andar antes que alguém com sorte nos vê primeiro.

Eles riram e voltaram a patrulhar.

Um curto período de tempo. O voluntário com bigode perguntou:

- Eu já contei da minha sobrinha Piscil?

- A de olhos claros? - Seu camarada falou com sorriso no rosto. O bisão resmungou, levantando um pouco a cabeça. - Você contou a ele também.

- Sim. Mas não para o Jeru. - Ele apontou para o lagarto do seu camarada, quem fez um grunhido tímido. Eles riram. A patrulha teve um clima mais agradável.

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