Devaneios na Realidade - Livros para saber porquê os EUA perderam suas guerras

Este é um texto dos Devaneios na Realidade, onde eu reflito sobre filmes, séries, episódios de podcasts, vídeos de canais de youtube e outros. E opino minhas impressões e/ou sobre como colocar na criação de obras de ficção.

Em agosto de 2021, próximo do aniversário de vinte anos do atentado de 11 de Setembro, pareceu que o mundo não acreditava na tomada de poder tão espetacular do Talibã em pouco tempo. Provocou que os Estados Unidos e aliados agissem em emergência para evacuar todos que queriam. O acontecimento se parece quando o mundo foi pego de surpresa pela expansão súbita do Estado Islâmico que tomou parte do Iraque e quase Bagdá, os EUA e aliados agiram em emergência para conter e uma longa guerra para derrota-los. E então na evacuação de Kabul, os últimos soldados americanos foram mortos por um atentado em larga escala da filiação do Estado Islâmico no Afeganistão. Durante este evento houve um assassinato por drone contra civis em Kabul, aos olhos de noticiários de todo o mundo e o exército não pode fazer nada a se desculpar. Um final cruelmente irônico para toda a guerra ao terror.

Mas há muito material apontando para este desfecho. Tanto para as Guerra do Iraque e do Afeganistão quanto a Guerra ao Terror como um todo durante o percorrer dos anos por entrevistas, investigações e documentos vazados. Portanto, para quem acompanhava o andamento das guerras não podia esperar por algum resultado bom. Na verdade, em Iraque, muitos iraquianos e pessoas em ongs e instituições concordam que os tempos do ditador Saddam Hussein foram melhores para o que veio depois. 

O livro: “A Vida Imperial na Cidade Esmeralda: no Interior da Zona Verde do Iraque”, publicado em 2007, escrito pelo jornalista indiano-americano Rajiv Chandrasekaran, descreve as disfunção da administração americana em Iraque que pareciam querer tomar todas as piores decisões possíveis para irritar os iraquianos e assim provocar mais baixas americanas. Por exemplo, inicialmente houve uma equipe especialmente formada por pessoas dotadas de conhecimentos e experiências para assumir o controle do país com a derrubada do regime no Iraque. Entretanto, o exército os mantiveram presos em Kuwait e se recusou a fazer alguma coisa, enquanto a equipe chegou a apostar entre eles qual edifício governamental apareceria no noticiário sendo saqueado. Já que ninguém se preocupou em avisar aos iraquianos o que fariam além de chegar a Bagdá com tanques. Querendo evitar confrontos, a polícia iraquiana abandonou seus postos por não saber se continuariam trabalhando e os soldados americanos não tinham permissão para agir. O caos durou por tempo demais e quando a equipe assumiria, foi dissolvida mesmo que não poder fazer nada.

A equipe chamada Coalition Provisional Authority, CPA, assumiu logo depois. Liderada por Paul Bremer que tomou decisões importantes ainda em Washington como banir o partido de Saddam Hussein. Ele efetivamente baniu o exército iraquiano que era fonte de renda de centenas de milhares de famílias e sem quase nada de emprego e serviços. Porque a administração do CPA se caracterizava como a pessoa de Paul Bremer, arrogante, teimosa e distante da realidade. Por exemplo para o comando da área de saúde, a escolha inicial tinha todos os requisitos acadêmicos e profissionais, mas não lealdade política, como o líder de uma ong antiaborto. Este assumiu e se preocupou em tentar privatizar o sistema público de saúde enquanto os hospitais precisavam de todos os remédios e equipamentos porque foram todos saqueados. A obsessão da administração foi de privatizar todas as empresas e setores iraquianos, mesmo que jamais conseguiriam burlar a lei internacional.

Os americanos no Iraque produziram uma polícia corrupta que praticava sequestros, contrabandos e posteriormente violência sectária, porque o americano responsável só se preocupou a participar de missões como um caubói, até provocando tiroteios com soldados americanos. Um jovem recém-formado da faculdade e inexperiente foi enviado para criar um mercado moderno de ações em Bagdá. A formação do conselho político foi formado com base na distribuição populacional do país, em vez de ser proporcional igual as democracias em países etnicamente divididos, o que muitas pessoas apontam como fator crucial para a desintegração da unidade nacional em guerra civil. Para que as eleições nacionais pudessem acontecer, Paul Bremer estivesse o mais calado possível para que as negociações se acertassem. Porque se ele tivesse permitido que um líder iraquiano a consultar os anciãos de sua tribo sobre as regras de votação, em sacrifício de uma coletiva de imprensa, teria evitado a ameaça de violência para mudar as regras de votação.

Não importava o tanto de soldados americanos fossem enviados, quanto de dólares fossem gastos e o quanto de destruição e mortes, os Estados Unidos já perderam a Guerra do Iraque porque fracassaram em desenvolver um país de verdade. Por isso que o Estado Islâmico, um grupo que veio da Al-Qaeda no Iraque, porque a Al-Qaeda somente entrou neste país por causa da invasão americana. O documentário “Somente os mortos”, 2015, mostra a desumanização e escuridão deste grupo. Este grupo invadiu a Síria em guerra civil e retornou com mais força contra um exército iraquiano e fantasma.

O mesmo aconteceu no Afeganistão. Rajiv Chandrasekaran também escreveu o livro “Little America: The War Within the War for Afghanistan”, tradução: A guerra dentro da guerra pelo Afeganistão”, de 2012, com entrevistas dos esforços no primeiro governo Obama. Onde mostra a arrogância de um general em ignorar as medidas para proteger soldados de explosivos improvisados que causaram muitas baixas desnecessárias. Uma mulher que acreditava na missão de reconstruir o país teve que enfrentar a burocracia para obter permissão para participar, porque o entrevistador nem sabia como tirar visto em passaporte, chegou a Cabul e descobriu que ficaria confinada na embaixada e realizar processos rotineiros que poderia fazer nos EUA. Ela só conseguia fazer a sua missão de verdade, porque escapava escondida da segurança da embaixada e se mantinha discreta nas viagens por Cabul, enquanto todos os demais ficavam com medo demais de saírem e fazerem algo, como a Zona Verde em Bagdá era tão isolada que os ocupantes dificilmente viam alguém nativo. 

Outro exemplo da disfunção administrativa dos EUA. Negaram a plantação de algodão no Afeganistão porque seria um concorrente no mercado internacional. E o pior é que não havia nenhum segundo plano, parece esperar que o problema se resolvesse por si mesmo. Como o jornalista Rajiv descreve de órgãos dos EUA deixaram uma fábrica fechar e todos os trabalhadores se tornaram guerrilheiros do Talibã. E no livro anterior, houve um americano que produziu com sucesso um órgão para os cientistas iraquianos, mesmo diante das ameaças da CIA que somente queria vigiá-los e assim acabavam deixando eles serem contratados pelo país rival Irã. O americano tinha mais medo de seus compatriotas do que os insurgentes iraquianos.

O livro “The Afghanistan Papers: A Secret History of the War”, traduzido: “Os papéis de Afeganistão, uma história secreta da guerra”, escrito por Craig Whitlock, uma coletânea de entrevistas realizadas pelo Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão, as quais o jornal The Washington Post conseguiu acesso por um pedido da Lei de Liberdade de Informação dos EUA, é muito importante porque, como o autor apontou, soldados e civis foram mais abertos em falar de seus problemas e frustrações do que se falassem publicamente a algum jornalista. Os EUA e OTAN não conseguiam concordar se era uma guerra, missão de paz ou algo mais, assim comandantes das forças da OTAN não sabiam qual o objetivo ou missão e nem quem eram seus inimigos. Os EUA providenciavam muito dinheiro, mas nenhum indicador para medir progresso e nem qual o objetivo. O resultado foi a utilização do aumento de gasto para mostrar que algo parecido com progresso. Há muitos casos que mostram os níveis de insanidade e estupidez da natureza humana para evitar responsabilizações e assumissem seus erros e a rivalidade e descoordenação entre as instituições estatais e privadas, por isso recomendo ler estes livros.

Eu, como formado no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP-Leste, lendo estes três livros me pareceu que os EUA fez tudo que minha formação me ensinou a evitar e corrigir. Indicadores são importantes para saber se os esforços governamentais estão alcançando seus objetivos ou se precisam de melhoramentos, e os EUA provaram que se desperdiça dinheiro demais. Pesquisas e obtenção de informações locais é importante para estreitar a distância da instituição com o seu público-alvo, assim como ter um corpo técnico preparado e um plano claro com objetivos finais e secundários claros. A Zona Verde de Bagdá tinha estagiários e recém-formados como a maioria de seus funcionários e no Afeganistão todos os envolvidos diziam que os EUA invadiam cada ano, por causa da rotatividade de duração de um ano. Os americanos não se preocupavam em estudar as línguas locais e aplicavam as mesmas estratégias e treinamento de tropas para o Iraque, país dominado por planícies, em Afeganistão, dominado por montanhas. Para mim, às vezes parecia que os americanos somente se preocupavam em cumprir protocolos e seguir ideologias de cortar taxas e diminuir a atuação do Estado, em vez de verificar e procurar o que era realmente necessário. O curso de Políticas Públicas levanta questões como um dos professores diz que tomar decisões é decidir quantas pessoas viveram.

A realidade é mais irreal do que ficção onde isso seria crueldade extrema. Estes livros podem ser lidos como humor ácido diante da bizarrice da incompetência e arrogância cega ou como drama trágico porque as populações destes dois países, pessoas comuns com sonhos, famílias e amigos, sofrem e morrem devido a esta bizarrice da incompetência e arrogância cega, imersos em apatia desumana. Como o iraquiano que Rajiv entrevistou que gastou suas economias para abrir uma pizzaria perto da entrada da Zona Verde, mas ignorado pelos americanos desde que resolveram trazer tudo dos EUA, tendo sua própria bolha simulando no interior da capital do país que deviam se preocupar. A bolha foi rompida somente por foguetes de insurgentes furiosos pelos desmandos e arrogância.

Pesquisando, pode-se encontrar muitos casos de soldados americanos ou americanos trabalhando como mercenários para empresas de segurança se comportando como assassinos, massacres e outros crimes terríveis com traços de acobertamento e silêncio da instituição, governo ou da fraternidade entre soldados. No caos em Bagdá, o único prédio governamental não saqueado foi o ministério do petróleo. Há um livro da década de 1930, “War Is a Racket”, em tradução livre: Guerra é uma maracutaia. Escrito por major-general aposentado e ganhador da Medalha de Honra, a honraria mais alta, duas vezes, Smedley D. Butler, onde denuncia as guerras que participou para invadir países da América Central para empresas americanas dominarem diretamente e como diversos lucros privados mais do que multiplicaram com a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial. Um dizer antigo é que “guerra é uma extensão da política”. Política tem políticas públicas como seus instrumentos. E não há possibilidade de políticas públicas bem-sucedidas sem objetivos definidos.

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