Crônicas do 2º Apocalipse - Desinformação até a Condenação

 Escrito e ilustrado por Renan Morgado

Ele gostava de apreciar o pouco de céu azul que havia na poluição daquela cidade. Seu nariz respirava com dificuldade. Havia árvores na universidade e o pátio decorado por vegetação, mas não fazia diferença com a larga cidade suja ao redor. A gororoba congelada em sua marmita, somente hoje ele descobriu que o micro-ondas tinha quebrado desde o ano passado, enquanto o restaurante da universidade lotado, muito caro a comida.

As pessoas em volta conversavam no sotaque estranho e achavam que o dele era muito engraçado. A primeira semana de aulas e todo mundo apenas quis que ele repetisse alguma palavra para eles rirem. Ouvia rodas de colegas comentando da festa que tiveram ontem. Ele nem soube que teria uma festa. E ainda precisa achar um bom grupo para os trabalhos em grupo. Ele não podia reprovar em nenhuma matéria ou vai perder a ajuda financeira do governo.

Ele teve que jogar a marmita em uma lixeira. Foi para a banca do maior grupo da faculdade, Os Jotas. Uma grande faixa exibia o nome e frases de ordem para um mundo melhor. Os membros dos Jotas o cumprimentaram quando chegou.

- Olá. Eu sou o Rono. Eu quero participar dos Jotas.

Os membros conversaram entre eles. Uma moça disse:

- Você não pode participar.

- Por que?

- Pesquise você mesmo. - Um rapaz grosseiro.

- Eu ouvi vocês falando de como eu falo. Só por causa do meu sotaque?

- Ele está fingindo de desentendido. - Um membro acusou.

- Não, eu não estou. Eu realmente não sei do que vocês estão falando.

- Ele falou de novo como um. - Outra moça falou.

- O que eu estou falando de errado?! - Rono começou a ficar indignado.

- Não estamos aqui para ensinar privilegiados. - Um rapaz falou.

- Que privilegiado o que?! A internet chegou a minha cidade no ano passado! Eu li demais na biblioteca da minha cidadezinha para conseguir a ajuda financeira do governo.

- Deste governo corrupto e golpista! Você é um infiltrado. - Outra moça acusou.

- Do que estão falando?! Eu sou a pessoa mais pobre deste lugar. Eu quero conhecer vocês

- Mas por que você não se comporta como um Jota? - Outro rapaz questionou.

- Como vou ser um Jota, se ainda não sou! Ah… Vocês são estranhos.

Rono tinha que se afastar, furioso.

- Eu privilegiado. Este pessoal usa roupas e telefones muito caro. - Ele resmungou, observando os membros dos Jotas pela universidade.

- Hei. - Um rapaz o chamou. - Olá, o meu nome é Rupo. O meu grupo precisa de mais um para fechar. Você tem grupo?

- Não. Eu não tenho não. Muito obrigado.

Rupo o levou para o restante do grupo. Um homem mais velho que os demais, um rapaz muito alto e uma moça obesa. Eles se cumprimentaram e se apresentaram. O homem mais velho era Salebe, o rapaz alto era Nafale e a moça era Sama.

- Eu vi você com os Jotas, que estava fazendo lá? - Salebe quis saber.

- Sendo insultado por eles, dizem que meu sotaque é engraçado, mas eles diziam que eu estava falando alguma coisa de errado.

- Você falou “eu” ou “nós”? - Sama perguntou.

- O que?

- Os Jotas não usam o pronome “eu”.

- Eles falam... “Nós bebeu”?

- Hahaha. Olha ali. - Nafale apontou para um grupo de Jotas, gargalhando e dizendo “Nós não lembra de nada da festa”, “Nós beijei umas quatro”, “Nós saiu mais cedo com ela”.

- Pessoal maluco. - Rono resmungou.

Eles conversaram mais, naturalmente. Salebe fez uma piada com o sotaque de Rono, assim como ele fez uma piada de Salebe e Sama. Um respondia as brincadeiras da mesma forma entre um assunto e outro.

Em um momento, Rupo comentou sobre os vídeos de Sido de Laranja. Rono não podia contribuir muito enquanto eles riam sem piedade dos estranhos hábitos e ideias dos Jotas e de dos professores da universidade, bastantes simpatizantes ou fazem parte dos Jotas e como querem impor suas contradições sobre todos. Eles riram bastante. Salebe contribuiu:

- Mais três meses e vamos lutar no Arrebatamento Ativo. Quero dizer, como ninguém pode participar.

O grupo riu, exceto Rono que devia perguntar:

- O que é este Arrebatamento Ativo?

Sama e Nafale perguntaram como ele não sabia. Rupo explicou:

- Daqui há três meses, num morro fora da cidade, um grande portal vai abrir e poderemos matar a todos nossos inimigos.

- Espero que sejam os Jotas. - Salebe queria.

- Ou todos os repórteres, eles são irritantes. - Sama apostava.

- Esperem. De onde veio essa história?

- De Sido de Laranja e outros lugares na internet. - Rupo comentou.

- Pesquise você mesmo. - Nafale incentivou.

- Tá. Eu vou pesquisar.

- A hora, gente. - Sama verificou em um celular. - Temos que ouvir doutrinação Jotista.

Eles foram para a aula. Atrasados.


No dia seguinte, eles se reuniram para realizar um trabalho em grupo. Entre as conversas, Rono não suportou e falou:

- Sabem… Eu assisti uns vídeos do Sido de Laranja e uns textos. Tenho umas dúvidas?

- Sobre o que? - Nafale perguntou. - É simples. Vamos atacar o esconderijo onde os Jotas conspiram para dominar o mundo.

- Primeiro lugar. Nenhuma das versões originais falam claramente dos Jotas. Na verdade, nem fala de ninguém particular. É apenas inimigos. Conspiração. Forças ocultas e nada se são os Jotas, a elite, ou armados. Somente Sido de Laranja diz que são os Jotas, as tais forças ocultas.

- É necessário? Você encontra na história muitos casos de jotistas aplicando golpe de Estado e implantando regimes jotistas. - Sama falou.

- Sim, matando muita gente e destruindo tudo que encontravam. - Salebe falou antes de Rono.

- Não faz sentido ser um Jota. - Rupo comentou.

- Mas as guerras feitas pelas nações Unistas e Tundristas mataram muita gente, até os conflitos financiados pelos Tundristas.

- Com dinheiro, se pode fazer tudo. Os deuses escolheram dar petróleo para as regiões de tundra. - Rupo disse.

- Mas com Unistas ou Tundristas podemos ser “eu” e termos esta conversa entre nós. - Salebe disse. - Devemos atacar e acabar com os líderes dos Jotas antes que eles coloquem seus planos sobre nós.

O grupo concordou. Rono verificou em seu antigo celular, as suas anotações:

- Outra coisa, quem está planejando isso?

- Nós quatro. O Sido de Laranja. Nosso professor Karon, um dos poucos melhores… É um projeto de todo mundo. - Nafale dizia.

- Mas as versões originais tinham autor anônimo. - Rono apontou. - Outras pessoas conversando sobre isso espalharam que eram de algum denunciante do governo Lavontiano ou de guardiões dos deuses.

- Que história essa de guardiões? - Nafale perguntou.

- A coisa estranha é o pessoal do governo. - Rupo comentou.

- E mais. O que é este portal? Os Lavontianos tem esta tecnologia, ou os Estadoanos. Quem?

- Os Jotas. - Salebe apontou. - Pensem, um portal direto para o esconderijo. Nada de passagens ou entrada em um prédio. Nada. Sem vestígios e evidências que os membros superiores dos Jotas se moveram e se encontraram em um mesmo local. O que você acha, Rono?

- Entendo a lógica, mas é acreditar que tal conspiração mundial exista.

- Eu não falei que era mundial. Como sabe que é.

- Eu pesquisei.

- Pesquisou. - Salebe se aproximou mais, o encarando nos olhos. - Você é um infiltrado dos Jotas?

Rono travou um pouco antes de responder “não”. Um instante de silêncio antes de Salebe explodir em gargalhadas. O grupo gargalhou também. Apontando para o olhar de assustado de Rono, como ele gaguejou e  outros pontos.

- Tranquilo. Não somos Jotas, aceitamos opiniões diferentes.

Eles riram, mas Rono ainda tinha que recuperar a respiração.

- Depois de tantas emoções. Vamos lá no Taças (um bar próximo). - Nafale disse. Todos concordaram.


Dois meses depois, reunidos novamente para discutir e fazer um trabalho. Rono tinha que comentar sobre uma notícia que tinha visto mais cedo:

- O Sido de Laranja está sendo acusado de abuso sexual. Vocês viram?

- É só uma garota querendo dinheiro. - Rupo dispensou.

- São várias mulheres e ao longo dos anos. - Rono corrigiu.

- Sempre assim. De repente um monte de denúncias do nada. Por que ninguém falou nada. - Nafale comentou. Rono percebeu o desconforto de Sama:

- Sama, qual a sua opinião?

- É que nem um professor de Educação Física na escola. Descobrimos que ele favorecia as garotas que ele achava… Mais… Boa para sexo. Mostramos o caderno de anotações dele para a diretora. E ela disse que ele era um bom professor e não tínhamos nada a se preocupar.

- Achei que vocês da cidade eram muito isolados, mas todo mundo sabe das coisas podres mas não faz nada como na minha cidadezinha.

- Sido de Laranja não está errado. - Salebe comentou. - As mulheres foram para a casa dele porque quiseram. Ninguém as obrigou.

- Elas iam para ter sexo, era para ter conhecimentos. Sido as trancava na casa e os drogavam. Até ameaçou algumas. Ele as escolhia e anotava num caderno. Parece o professor maldito que falei! - Sama se revoltou.

- Elas foram sozinhas na casa de um homem. Deviam se cuidar mais. - Salebe disse.

Sama se retirou do local. Um silêncio pesado. Nafale deu uma desculpa e se retirou. Rono avisou que a entrega do trabalho seria amanhã. Mas Nafale não se importou:

- Vamos lá gente. Vamos terminar logo este negócio. - Rupo falou. Eles não conversaram sobre nada, apenas nas tarefas. Mesmo não muito bem.


Dias depois, ainda havia mais um trabalho para a mesma matéria. Rono em casa, calculava as notas. O trabalho anterior onde só teve os três para completar, obteve uma nota baixa.  Se não obtivesse uma nota melhor, para recuperar a anterior. Perderia a ajuda financeira. Ele enviou uma mensagem para o grupo na rede social deles.

- Oi pessoal. Quero me desculpar por desafiar e duvidar de suas convicções. Eu venho sendo um peso, provocando estas brigas entre nós por querer mudar como vocês pensam. Vocês sabem que eu tenho ajuda financeira da universidade. E por isso, preciso de vocês todos para conseguir voltar para meus velhos quando for as férias do meu emprego que consegui com meu diploma. Então, eu me desculpo por tudo que fiz e podem me ajudar a conseguir o meu diploma.

Ele esperou por um tempo enquanto fazia outras atividades. A primeira mensagem de Sama:

- Você está certo. Vamos trabalhar logo aqui e fazer este troço.

Os demais responderam no mesmo pensamento. Salebe foi o último a responder, concordando. Rono sorriu como reação.

Eles conseguiram realizar o trabalho para uma nota máxima que ajudou bastante Rono.


O dia marcado do Arrebatamento Ativo tinha chegado. O grupo se reuniu no local com uma grande multidão esperando. Eles se cumprimentaram, com Sara e Salebe a distância entre eles. Rono olhou em volta.

Ele reconheceu Jotas da universidade no local também, hostilizados por outros grupos, mas se uniram a multidão de Jotas. Havia vários grupos hostilizando uns a outros e formando as suas próprias multidões. Líderes gritavam e discurssavam em microfones e alto-falantes contra os inimigos no esconderijo. Agitação. Uma sensação imensa, coletiva, contagiante. Rono sentia que devia temer aquilo. Muitas pessoas armadas. Eram armas de fogo ou facas e martelos e outras coisas. Forças policiais monitoravam a situação. Os policiais mais sérios pareciam temerosos.

Mas Rono via seus colegas animados. Unidos para isto. Se nada acontecesse, se não aparecesse um portal. Todo mundo voltaria para casa e mais teorias apareceriam na internet. O pior seria se nada acontecer, todas aquelas multidões se matariam. Ele devia ter um plano de fuga pensado para escapar com o seu grupo.

Uma comoção. Rono temeu, mas Salebe percebeu e o acalmou. Disse aos demais:

- Amigos. Chegou a estrela principal.

Uma grande quantidade de carros de polícia e do exército chegaram. Sido de Laranja saiu de um carro de polícia acenando para a sua multidão específica. Soldados e policiais distribuíram armas orgulhosamente. Outras multidões se uniram por simpatia, outras hostilizaram e demandaram reprovação das autoridades no local.

O desejo de vingança e violência aumentava em instabilidade com o favoritismo da máquina pública e por isso com mais poder que os demais. Sussurros entre os indivíduos, xingamentos em gritos exaltados. Os líderes com equipamentos de som acusando e denunciando contra as demais multidões. As tensões ferviam. A panela não aguentaria por mais tempo. A pressão saiu a medida que a luz aumentava. Susto e perplexidade.

O rasgo no tempo e espaço aumentando. O portal parecia o rasgo em um tecido. Do outro lado, um campo verde antes de uma cidade de edifícios desiguais e baixos. As cores pareciam surreais. Havia habitantes na cidade. Podia-se ver que alguns estavam armados e veículos de guerra. Os líderes incentivaram e ordenaram o ataque. As multidões diversas se uniram em fúria irracional. Tiros e retaliação preventiva vindo da cidade, mas os aumzis não pararam.

O grupo de Rono hesitou entre os últimos.

- Vamos! É hora de salvar o mundo! - Salebe animou. Rupo, Sama e Nafale foram na frente. Rono teve que hesitar. Salebe percebeu. - Vamos. Vencemos aqui, vencemos na vida mais do que um diploma.

Salebe fez gesto para ele participar. Rono tinha que aceitar e os seguiu. Foi entre os últimos a atravessar o portal. Assim que passou, O Paraíso automaticamente expulsava seu material.

Ele viu Rupo pedir aos demais a pararem para esperar pelos demais, Salebe chegou logo atrás. Rupo olhou sobre o ombro de Salebe e gritou de susto. Os demais do grupo olharam para trás e se assustaram. Ele viu olhos amedrontados de seu grupo com as suas características originais no corpo de Rono. Os aumzis atacavam as almas, contractors e até alguns monsros no local. Com selvageria violenta e desorganizada.

Nafale deu uns passos e perguntou:

- Rono, você está bem?

Ele apenas os encarou, analisando. Com os dois grandes olhos pulsando em antenas sobre a cabeça inclinada para trás e deformada por uma boca monstruosa na garganta, também encarava com os olhos originais de Rono. Aura de material azul escura. Ele não tinha mais que ser Rono. O grupo não se tornou completamente em aumzis.

- Que diamônilus é você?! - Sido de Laranja gritou a ele.

- Pensei que fosse um de mim ou um condenado? - Ele comentou, utilizando a boca original e a de Rono. Olhou em volta. Uns poucos em volta, temerosos com ele. Nada de outros demônio ou condenados.

O portal se fechando atrás deles. A atenção se passou a isso. O Vassalo que o fechava causou distúrbios na sanidade dos presentes, tentando compreender o que ele era. Os presentes armados, passaram de apontar suas armas ao demônio personificado Rono para os condenados se revelando atrás do portal. Mas os condenados mais rápidos do que aumzis. Eles caíram abatidos por tiros certeiros, mas espalhados.

O grupo aterrorizados, pernas vacilaram. Rupo e Salebe se abraçaram. Sama tentou se esconder atrás de Nafale. Diante das armas de fogo e brancas e das máscaras sorridentes dos condenados, com os espaços para os olhos em escuridão profunda. Alguns dos condenados respiravam, outros emitiam a mesma aura de escuridão.

O demônio comandando os condenados, forçando o grupo e os presentes no local a começarem a cavar o solo, perguntou ao demônio personificando Rono:

- Você comandou estes aumzis?

- Não, eu estava como observador.

- Por que você tentou nos convencer a não vir? - Salebe falou alto para ele ouvir.

- Porque é o que Rono faria. - Ele respondeu.

Os condenados empurraram e forçaram o grupo e os demais presentes a cavarem. Ele se armou com outro demônio e aquela força do Inferno aproveitou a confusão provocada pelos aumzis.


O demônio voltou ao planeta para ser Rono. Por meio de um portal menor em um esconderijo do Inferno. Saiu do condomínio de classe alta em um carro de grande porte, carregando armamentos e drogas, condenados conversavam entre si em como processar os policiais os investigando naquele país. Ele agora devia pensar em como conseguir um novo grupo para os trabalhos da universidade.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

OC - O Renascimento de uma ex-Víbora Alada

2º Apocalipse - Poder de Criadora