Diálogos - Dever e Moralidade da Existência

 

 Escrito e ilustrado por Renan Morgado

Os mísseis e foguetes dançando e rasgando nuvens sobre o azul escuro. As chamas das propulsões e das explosões em solo iluminavam os rastros e nuvens de fumaça. Hipnotizantes. Provocavam divagações ao monsro que assistia sobre um penhasco. Olhos vasculhando as luzes amarelas dos perigos e a cor branca da Luz do Paraíso. Sua trench coat protegendo-o dos ventos frios. Imóvel e de pé. Sua mão direita tremendo, o ferimento doendo como uma faca debaixo da atadura.

Dois monsres quase não o encontraram na escuridão se não fosse pela lanterna.

- Hei senhor. - Uma monsra o chamou. - O jantar está pronto.

- Todo mundo já está comendo. - O outro monsro comentou.

- Não preciso comer. - O monsro respondeu.

Os dois monsres se conversaram e chamaram o comandante. Um monsro com um olho principal de vidro.

- É perigoso demais andar sem nenhuma arma.

- Eu tenho uma pistola e faca. - O monsro no penhasco replicou.

O comandante esperou. Seu olho de vidro reproduzia cada luz provocada pelos mísseis pela planície extensiva. Por fim falou:

- Todo mundo está comendo agora. Você pode conversar melhor porque não precisa colocar comida na boca entre cada fala.

- Todos vão fazer piadas comigo como as coisas de luz.

O monsro mais velho pegou a faca. Cortou a atadura, revelando o ferimento na palma de sua mão. Nenhum sangue. A luz branca como da Luz do Paraíso iluminou seu rosto.

- Pare com isso. Não sangra, mas sei que dói demais. O que irrita você? - O comandante questionou.

- Treinei até as minhas mãos ficarem duras. Daí morro para uma caixa no dia da partida. Eu perdi o Primeiro Dia. E daí acordo aqui. - Ele fechou a sua mão. Olhou para os duelos amarelos e laranjas a sua frente. - Na terra que devemos conquistar. Nada de vitória. A Mão Armada já escolhida mesmo sem a vitória final. Atacamos daqui para alguma coisa no horizonte. Algo sobre nós pode nos matar a qualquer hora. Agora pode ter uma bomba vindo em minha direção como aquela caixa.

Ele virou o rosto, sua mão fechando seus olhos sobre seu rosto.

- É. Eu sei. - O comandante comentou. - Os inimigos são muito piores do que se pensava antes de Careto. Eu perdi o meu olho para um pedaço de madeira. Por isso devemos atirar estes mísseis contra eles. E você pode pedir transferência para as linhas de frente se incomoda ficar aqui.

O monsro alma se voltou a ele:

- Eu estou matando seres como eu. Feitos de luz. Eu sou uma coisa de luz. - Olhou para suas mãos. O ferimento iluminando seu rosto.

- Não. Você é um monsre de Criadora. Tem uma segunda chance para alcançar a vitória para ela.

- Para o quê? O que tenho para mim depois da vitória. Não posso fazer quase nada com ninguém. Eu queria ter filhos, fazer uma família após a vitória. Eu tinha amigos e um amor. Perdi tudo. O meu toque é gelado. Não posso ter contato e compartilhar de prazer com ninguém. Todos me tratam como uma coisa de luz. Não vivo, apenas existo. - O monsro alma se voltou ao horizonte, lágrimas escorrendo de seus olhos principais e secundários.

O comandante pegou um cantil de saquê de vinho pesado e tomou. Um gole alterou o seu cérebro. Mesmo assim engoliu em seco antes de falar:

- Eu abandonei as linhas de frente quando me cansei de ver morte. O meu olho de vidro só vê mortes. Agora mesmo eu posso ver as mortes vindo destas luzes da noite. Acordo cedo e trabalho até a noite para poder dormir. - O comandante tomou mais um gole. - Você pode pensar que existe para nada ou pensar que o que faz é bom para si, para os outros monsres e para Criadora.

O comandante saiu do local. O monsro alma se sentou na beira do penhasco, abraçado a si mesmo e em suas lágrimas.

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